quarta-feira, 22 de outubro de 2014

De La Fregeneda a Barca D'Alva em 24H




Hoje vou descrever a minha jornada de 17Km em 24 horas entre as abandonadas estações ferroviárias de La Fregeneda (Salamanca, Espanha) e Barca D'Alva (Figueira de Castelo Rodrigo, Portugal). A Linha Internacional, que ligava Portugal e Espanha foi inaugurada em 1887, é uma incrível obra da engenharia ferroviária particularmente o troço de Barca d’Alva a La Fregeneda. Na altura, para concluir esta ligação, foi necessário escavar 20 túneis na rocha e construir 13 pontes com o objetivo de vencer os 300 m de desnível ao longo dos 17 Km do troço. Foi encerrada, quase 100 anos depois da sua inauguração, em 1 de Janeiro de 1985 pelo governo espanhol que encerrou o troço do seu lado da fronteira. Esta obra de arte ferroviária permanece totalmente abandonada até aos nossos dias. Somente caminheiros, geocachers e aventureiros no geral, que procuram a adrenalina de vencer pontes em estado precário, se arriscam neste local tão inóspito com características de montanha.

Há muito que queria fazer esta caminhada, fascinava-me percorrer quilómetros e quilómetros numa zona que tem tanto de agreste como de belo, indo de um abandono a outro sem precisar de nada mais que o meu corpo e uma mochila nas costas. Assim, depois de adquirir todo o equipamento que achei que iria precisar e de semanas de ansiedade para por pés ao caminho, lá arranquei com os meus destemidos companheiros de aventura numa noite de lua cheia com destino à localidade fronteiriça de Barca de Alva (só para não escrever sempre da mesma maneira).




Andámos cerca de um mês a estudar as imagens de satélite e a ler tudo quanto era informação que pudesse ser pertinente para a nossa jornada. Sendo Agosto e com 30º previstos, optámos por ir na noite anterior para Barca D'Alva de forma a sermos transportados bem cedo para La Fregeneda e podermos, finalmente, dar início à Rota das Pontes e Túneis. O acampamento foi montado mesmo junto à velha estação que daí a dois dias seria o destino final da nossa expedição. No dia seguinte, para irmos até Espanha ligámos antecipadamente ao Sr. Alfredo que, estando mais que habituado a estas coisas, logo nos disse o local onde nos deveríamos encontrar e por quanto ficaria o serviço. O Sr Alfredo além de nos transportar por um preço aceitável (20€), durante a viagem, ainda nos brindou com algumas "estórias e segredos" que tornaram esta viagem de 15 minutos num tirinho que pareceu durar 1 minuto.


ETAPA I

Objetivo: | 11 Km | La Fregeneda > Acampamento Alfa
Partida: 10h00 | Chegada: 17h30




Chegados a La Fregeneda, aproveitámos para investigar a abandonada estação Espanhola e também para comer qualquer coisa (daqui para a frente estamos por nossa conta). Aqui, tivemos a oportunidade de constatar o contrário do que afirmam a maioria dos exploradores Portugueses. É comum ouvir-se dizer (principalmente pelos recém chegados a este mundo da exploração) que "Só mesmo em Portugal, é um país terrível deixa todo o seu património degradar-se e não fazem nada para o evitar..."! De facto, em Portugal isto acontece (podia discutir os porquês, mas fica para outra altura que esse assunto tem pano para mangas) mas também acontece em Itália, na Alemanha e um pouco por todo o mundo, até mesmo em Espanha. Pois é, no país de nuestros hermanos apesar de a linha ter sido classificada como Património Nacional Espanhol, a estação de La Fregeneda continua no completo abandono.






Estando todos devidamente prontos, colocamos as mochilas (cada uma com +/- 20 Kg) às costas e damos início à jornada! Logo após 500 m de caminhada surge o primeiro túnel e logo o mais extenso de todos, o Túnel de la Carretera com 1,6 Km parece infindável e não é a forma mais animadora de começar a jornada. São cerca de 20 a 25 min (sem morcegos) a andar em bom ritmo, depois deste túnel todos os outros se tornam mais curtos. 


Confesso que a ideia de atravessar túneis cheios de morcegos não me seduzia muito mas, sendo Agosto e estando um calor sufocante, os túneis funcionaram tipo estação de serviço e permitiram-nos ir fazendo as pausas necessárias para hidratar e retemperar forças. Embora estivessem cerca de 30º, a sensação térmica de quem vai com mochilas pesadíssimas a andar sobre pedras que estão todo o dia ao sol é prai de 40º, por isso foi tão importante o papel dos túneis. Além disso, os morcegos não incomodam nada desde que não os incomodem. E não, o cheiro do Guano (excrementos de morcego) embora intenso não é nada por aí além.

Ao chegar à primeira ponte sinto um  "frio na barriga", a travessia tem de ser feita por estreitas vigas nas laterais das pontes (ao longo de todo o percurso), como auxilio um titubeante corrimão a cerca de um metro da viga. As pontes metem respeito e, na minha opinião, são o mais difícil obstáculo para o cumprimento do objetivo inicial mas com prudência atravessam-se de forma bastante fácil. 

Exemplo de viga na ponte "del Pollo Valiente" (136 m de comprimento a 24 m de altura)
na foto à esquerda. E o "descanso dos guerreiros" na sombra de mais um túnel à direita.


Com o passar dos Kms é impossível ignorar a fantástica paisagem que este autêntico miradouro com 17 Km para o Vale do Águeda nos oferece. É um passeio lindo que permite observar a natureza no seu estado mais puro. Depois da paragem para o almoço onde fizemos uma refeição ligeira (sopa instantânea) e tendo umas águias por companhia, lá arrancámos para mais uma série de pontes e túneis até chegarmos ao local definido para montar as tendas.





Finalmente, depois de horas e horas a caminhar debaixo de um calor insuportável que nos fez parar de meia em meia hora para repor líquidos, lá chegamos ao destino pelas 17h30.
Estando naturalmente muito cansados e suados decidimos descer a encosta até ao Rio Águeda para tomar um banho e se possível montar acampamento. A descida, já tínhamos visto no maps, tinha cerca de 1 Km e era a quase a pique mas a vontade de tomar banho era enorme e todos concordamos em descer. Depois do banho tomado, tentámos encontrar um sítio para montar a tenda mas, além de o piso ser todo muito irregular sabíamos que quanto mais próximos estivéssemos do rio mais insectos teríamos. Assim, em conjunto decidimos voltar a subir tudo novamente para podermos ter uma noite tranquila num sitio plano. Foi o pior quilómetro da minha vida, além do cansaço acumulado, a inclinação da subida é incrivelmente acentuada e depois de já ter tomado banho e estar convencido que poderia descansar, ter que subir tudo aquilo foi psicologicamente devastador (já sabem, se quiserem acampar nesta zona e fazer o percurso até ao rio escondam as mochilas lá em cima e levem somente o necessário lá para baixo, vai facilitar bastante no regresso). Chegados lá acima e antes que o sol se pusesse, uns dedicaram-se a preparar a refeição e os outros montaram as tendas. O cansaço nesse dia foi tão grande que ás 22h já todos estávamos a dormir.

"Acampamento Alfa"

A vista do acampamento ao anoitecer (priceless isn't it? =D)


ETAPA II

Objetivo: | 6 Km | Acampamento Alfa > Barca D'Alva
Partida: 7h00 | Chegada: 10h00


O amanhecer visto do acampamento.
Depois de uma noite em que não me lembro de alguma vez ter dormido tão bem, acordar no meio da natureza com uma vista destas é qualquer coisa única.  Ás 7h arrancámos rumo a Barca de D'Alva para a etapa final da nossa jornada na rota das Pontes e Túneis. Logo a começar e para abrir a pestana, nada como atravessar a ponte mais difícil de todo o percurso, a Ponte de Arroyo del Lugar do cimo dos seus 169 m de altura permite um vislumbre paisagístico ímpar.


Ponte de Arroyo del Lugar

Daqui para a frente foi sempre a fundo, aproveitando o fresco da hora lá fomos ansiosos para terminar esta última etapa. Os túneis e as pontes já eram "piece of cake" e o segundo dia foi muito "soft" comparativamente ao 1º. Depois de quase 3 horas de caminho a Ponte Internacional (com 185m de comprimento e toda ela já em metal) estava ali para nos permitir a entrada em Portugal e anunciar o fim desta aventura.



Na velhinha estação de Barca D'Alva já nada está acessível, tudo foi emparedado! Pena é que só o tenham feito depois de já tudo estar destruído e nada tenha sobrado daquela que foi uma das mais importantes portas de entrada no nosso país. Não sou a favor da destruição dos locais, bem pelo contrário, mas acho que se é para emparedar façam-no quando ainda há algo mais a preservar do que paredes graffitadas... Como eu sou um contestatário que acha que as suas ações influenciam o mundo, como forma de protesto, fotografei só o nome da estação na parede! 


Esta estação dava um Hostel tão fixe...
Os quatro aventureiros.




Se pretendem ir fazer este percurso que classifico com um grau de dificuldade médio dentro dos mesmos moldes, aconselho-vos a levarem muita água, comida de concepção fácil, protetor solar e baton, roupa confortável, frontal e uma máquina fotográfica. 

IMPORTANTE: Levem só o indispensável, deixem-se de romantizar a aventura e deixem o livro, o perfume e essas paneleirices em casa. A mochila não se leva sozinha, são vocês que vão ter de a carregar. Leiam os conselhos dos gajos batidos nestas expedições de montanha, procurem na net o que devem levar e como acondicionar as coisas na mochila. E lembrem-se nunca levem mais que 1/4 do vosso peso nas costas, essa regra é "d'ouro" ;)

Vale muito a pena, apesar de ser longe, é um passeio fantástico e se não for para isto quando é que irão àquela zona do país? Aconselho a toda a gente, será uma experiência que nunca irão esquecer, principalmente se ficarem para dormir na montanha.


Equipamento utilizado para a reportagem:
GoPro Hero3 Black Edition;
    Canon EOS 450D 18-55mm;
    iPhone 5.


Documentário sobre a linha do Douro exibido na RTP2 em 02/01/2015


quinta-feira, 18 de setembro de 2014

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Fundição

Ando farto de Urbex, tornou-se mainstream! O surgimento do programa Abandonados na SIC massificou o consumo de lugares abandonados e hoje ir a um "lugar perdido" deixou de fazer sentido... Já não são perdidos, já não são abandonados, são centros turísticos de pessoas movidas pela curiosidade aguçada por um programa de televisão. Assim não quero, pra mim não! Já não faz sentido encarar a exploração como encarava, descobrir e fotografar locais que ninguém vê e que todos esquecem deixou de ser possível! Hoje qualquer um de telemóvel na mão e disposto a correr riscos (muitas vezes inconscientemente) é um explorador... Esta forma de arte underground perdeu-se! Ninguém tem culpa o bichinho pegou mas... E agora?!